Nem me lembro mais quando eu andei de trem pela última vez. Quis o destino que esse reencontro acontecesse em uma nublada manhã de quinta-feira. Antes de experimentar essa “aventura”, um sufoco: pegar um ônibus lotado às sete da manhã. Empurra pra lá, empurra pra cá, aos poucos fui me aproximando da porta de saída. Ufa! Cheguei!
Cá estamos nós. Estação João Felipe, centro da cidade. Nessa hora o movimento é maior no desembarque do que no embarque. Não é por menos. Os trabalhadores, sacoleiros e estudantes de Fortaleza e região metropolitana chegam ao centro da capital para os seus compromissos.
Engraçado. Parece que o tempo parou na principal estação de trem do estado. Isso não é ruim, pelo contrário, é ótimo. Refiro-me à conservação do patrimônio de anos, com fachada do prédio que tem arquitetura clássica, portas giratórias de ferro e bancos de madeira à antiga, como não se vê mais nas praças. Ao comprar o bilhete da viagem, uma surpresa: apenas R$ 0,50. Isso a meia. Não por menos muitos trocam ônibus por trens. A trilha sonora da viagem é o barulho emitido pelo próprio trem. Não tem música. Na paisagem, praticamente não se vêem pessoas e sim árvores, matos, enfim, um visual predominantemente verde. Parada mesmo, só nas estações.
Antes de embarcar na viagem, que teve como destino Maracanaú, uma rápida conversa com o guarda da estação. “O trem vai demorar?“ pergunto, ao perceber que o relógio marcava dez minutos de atraso do horário previsto. “Não, já já ele chega, não tem erro”, responde ele. Enquanto o trem não chega, fico a pensar: será que o trem possui condições melhores do que os ônibus? Será seguro? A viagem será rápida? Será divertido?
Para me certificar sobre algumas dessas auto-indagações, converso com um senhor de meia idade, tranquilamente sentado em um banco a espera de um trem. “Por que o senhor viaja de trem e não de ônibus? pergunto. “Ah, eu acho mais seguro”, diz ele, que apesar disso, assegura que não há conforto nos trens. Ele também me conta que viaja de trem todos os dias há quatro anos. Questiono ao recém conhecido sobre as condições dos trens. Eis que percebo a resposta com um tom pessimista. Ele me diz que alguns trens estão péssimas condições, com vagões enferrujados e furados. Em outros, diz ele, os vagões viajam de portas abertas, expondo as pessoas a pedradas.
Ao fim da resposta, ouvimos o barulho do trem. Pronto! A hora é essa. Como se trata de um momento único, ou pelo menos raro, aproveito para tirar fotos. Antes, durante e no retorno da viagem. Afinal de contas, eu só queria viajar de trem, de ida e volta.
Dei sorte. Não peguei um trem “lata velha”, como é costume chamar os trens já enferrujados e furados que o senhor há pouco tinha me dito. No embarque, tranqüilidade. Não há lotação e facilmente encontro lugar para sentar. Ah, já ia me esquecendo, não estou sozinho nessa viagem. Três amigos, também estudantes de jornalismo, estão comigo nessa. Cada um deles fazendo observações, batendo papo e apreciando a experiência.
Observo o jeito das pessoas e logo percebo um grupo de três amigos numa descontraída conversa. Boa chance para fazer novas amizades, trocar idéias e conhecer um pouco da vida deles. Ao aproximar-me, digo “Bom dia” (novamente) e me apresento. Digo o que estou fazendo nessa viagem ‘diferente’ e convido-os para um bate papo sobre o “andar de trem”. Fui bem acolhido pelo grupo. Todos eles porteiros de condomínio. Quem diria: amigos que trabalham em lugares diferentes mais que aproveitam as viagens de trem para se reencontrar e pôr os assuntos em dias. Os três amigos são: Otacílio Alves, o mais brincalhão, Moreira Neto, o mais calado, e Jacinto Bezerra, o mais falante.
A conversa flui. Flui mesmo, durou todo o percurso da viagem: 40 minutos. Na pauta, ou melhor, na conversa, além da viagem, outros assuntos também entram em cena: futebol, o dia-a-dia de cada um e planos para o futuro. Durante a viagem os três confirmam tudo o que eu já havia ouvido antes de embarcar: a preferência pelo trem por ser mais seguro, barato e tranqüilo.
Legenda: Neto (camisa branca listrada), Jacinto (rubro-negra), Otacílio (verde) e eu
Jacinto, que além de ser o mais falante é o de mais idade, conta que a cada viagem tem a expectativa de encontrar um trem com melhor. É uma pena que nem sempre sua vontade seja atendida. “Quando eu chego na estação e vejo o trem velho me dá uma tristeza, mas quando eu vejo o trem novinho (como o que estávamos) me dá uma alegria”, diz.
Otacílio, o homem das anedotas e de óculos escuros, espera que, quando o Metrofor (Metrô de Fortaleza) estiver em circulação possa largar as viagens de trem. Para ele, será uma grande vantagem, principalmente pela economia de tempo. “O espero andar logo de metrô, se Deus quiser e se eu tiver vivo daqui para lá (risos)”, brinca ele.
Perguntei a Neto, o mais jovem entre eles, sobre as situações que tinha presenciado numa viagem de trem. Ele conta casos de pessoas que cometem, por com muita raridade, suicídio após a partida dos trens. Isso mesmo, suicídio. “Talvez pela rapidez da morte (com a velocidade e impacto da queda) as pessoas prefiram morrer desse jeito”. Nem tudo é tristeza na conversa com ele. Neto conta que, apesar dos problemas, não troca a tranqüilidade dos trens pelo “aperreio” dos ônibus.
O papo está bom mais a viagem já está acabando. O destino dos três é Maracanaú. A parada final é na estação Vila das Flores. Com a certeza de que o bate-papo foi proveitoso, me despeço de cada um. Agradeço pela amigável acolhida, pela descontração e atenção a mim dispensada. Chegando a parada final, resta apenas fazer o caminho de volta. Volto também o meu velho e conturbado passeio pela cidade. O ônibus já me aguarda.
Saiba mais sobre essa viagem sob a ótica de quem observou os demais passageiros, na crônica-reportagem de Marcos Sampaio. Confira.